clássicos

Bolito é o cozido consagrado no Fasano

Ele protagoniza um ritual envolvente em São Paulo

O BELO CARRINHO DE INOX COM ALÇAS DOURADAS veio há 25 anos de Milão e até hoje chama atenção no magnífico salão do restaurante Parigi, em São Paulo.


Ele estacionou por aqui quando Rogério Fasano, hoje “rebatizado” Gero Fasano, teve a brilhante ideia de introduzir, com toda pompa e circunstância, o vero bollito, uma instituição da cozinha da Bota, ao elegante grupo de restaurantes da sua família.


Antes, o prato brilhava na capital paulista em outro endereço, o antigo hotel Ca D’oro. Lá, ele fez fama pelas mãos do Seu Ático, mâitre d’hotel lendário, que migrou (junto com o bollito) para o Fasano, quando a casa entrou em decadência.


Durante anos, a aristocracia paulistana e os amantes da boa mesa reverenciavam o Seu Ático nas tardes festivas, conduzidas pelo prato que, de certa forma, conecta historicamente diferentes regiões da Itália, numa onda de aromas e sabores incomparável.


Diz a história que o prato nasceu como receita de resistência, na Emilia Romagna, criada por quem tinha pouco recurso e muita fome. Dali migrou para nobreza, de olho com o que se fazia na França. O primeiro registro do bollito como conhecemos hoje é de 1887, servido na corte do rei Vittorio Emanuele II.

 

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Dos palácios, espalhou-se especialmente pelo Piemonte, Lombardia e Veneto.


A essência é a mesma, estão nos detalhes. Estamos falando de vegetais cozidos com maestria servidos com carnes também cozidas e uma papa que enriquece o conjunto.


Vamos especificar: entre as carnes há vitela, língua e peito de boi, ossobuco, partes magras do frango e porco em estado de graça. Entenda-se por isso, embutidos mais sofisticados como o cotecchino e o zampone.


O primeiro é um embutido de carnes de porco frescas. Seu nome vem de “cotica” (pele de porco) porque é feito predominantemente com a pele do focinho e da papada, além de acém, pescoço e especiarias (pimenta-do-reino, noz-moscada e cravo). Para fazer o segundo, usa-se a mesma mistura de carnes. Porém, o invólucro é o couro do pé de porco.

 

 

Ambos são deliciosos, mas o verdadeiro segredo do bom bollito é o brodo, o caldo feito com legumes, ervas, vinho e, claro, um algo a mais de cada cozinheiro. Ele sempre deve ser ralo, cristalino e muito saboroso. Isso porque ele rega todos os ingredientes do prato, durante
o serviço, à frente do comensal.


Este mesmo caldo, enriquecido com tutano, outras carnes e especiarias, é misturado com farinha de rosca para dar vida ao peará, o tipo de pirão que dá consistência ao bollito.


No Parigi, o ritual é seguido a risca, comandado pelo Almir Paiva, mâitre d’hotel que sabe tudo, há quase 40 anos no Fasano. Por aqui, o bollito é servido nas quartas e nos domingos, sempre com grande procura. Como todo clássico, ele lembra, o prato, volta e meia, passa por uma espécie de redescoberta e vira talk of the town – ou seja, é falado (e pedido!) como nunca.


Os salões vivem agora esse momento, desde que o Gero, no Rio, passou a servir o bollito de frente para o mar, aos domingos. Os cariocas foram à loucura não só pela novidade, mas pelo espaço vazio que ela passou a ocupar, desde que o cozido português, tão tradicional nos domigos de outrora, foram sumindo das mesas no balneário.


Verdade seja dita, são pratos diferentes, apesar de tanto em comum. A base é a mesma carne e embutidos cozidos, assim como vegetais acompanhados de uma papa consistência. No caso do portuga, ela é um pirão com farinha de mandioca. No lugar dos italianos cottechino e zampone, entram linguiça e paio. Os portugueses são mais generosos com legumes e verduras: há couve, abóbora e raízes, com o auxílio luxuoso da fruta que todo mundo adora, a banana.


O resultado final dos pratos acaba ficando bem distinto: o bollito é consideravelmente mais leve com uma assinatura exclusiva: conta impreterivelmente com a presença de três molhos (podem ser até sete!), colocados nas extremidades do prato.


Os mais presentes são salsa verde (um pesto mais leve), raiz forte e mostarda de cremona (frutas cristalizadas com calda de mostarda). Todos eles estão no bollito do Fasano, servidos ao gosto do freguês. Assim como tudo que está no carrinho.


O ritual é dos mais gostosos: depois de servido um capelletti in brodo do qual você também não se esquecerá, o garçom designado a cuidar do bollito pergunta para cada comensal se há alguma restrição e se gostaria de algum ingrediente a mais ou a menos. A sugestão é comer um pouco de tudo.

 

 

Então ele se volta para o carrinho, separa os vegetais numa travessa e começa a fazer o serviço a partir dela. Depois vai para as carnes (os embutidos vêm da cozinha, cozidos na hora). Finaliza, enfim, com peará e o brodo que rega tudo.


Quando todos estão servidos, vem a bandeja com os molhos, colocados no prato também pelo garçom. O quadro então vira cliques (não dá para evitar) para o Instagram e vem o brinde, sugestão deste editor, com um Sangiovese com frutas, estrutura e boa acidez, desses que fazem carinho na boca.


O mâitre Almi lembra de quando o chef francês Daniel Boulud passou por ali, num domingo, e não resistiu ao observar o serviço do bollito. Foi para casa fascinado, repetindo, sem parar: “Inesquecível, inesquecível!”.

 

Parigi – R. Amauri, 275, Itaim Bibi, São Paulo – SP.
Tel.: (11) 3167-1575


Gero – Av. Viera Souto, 80, Ipanema, Rio de Janeiro – RJ.
Tel.: (21) 3202-4030