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Vamos falar sobre queijo

Já passou da hora da vermos o nosso rico produto artesanal tratado com mais dignidade

Robert Halfoun
Curador


Recentemente ficamos todos estupefatos quando toda a produção de queijos especiais da Lano Alto, uma fazenda experimental na Serra do Mar, em São Paulo, foi confiscada pela Vigilância Sanitária. Motivo: faltava o selo de inspeção.


Já vimos isso acontecer com a Roberta Sudbrack, anos atrás, numa das edições do Rock in Rio, onde ela tinha um posto volante da sua lanchonete, a Da Roberta. O episódio acabou
rendendo uma padronização e legalização para circulação de queijos feitos com leite cru, fora do seu estado de produção.

A questão, porém, é mais profunda. Mais do que fiscalização, os produtores de queijos artesanais precisam de orientação e padronização sanitária. Obviamente isso teria de ser bem  financiadinho pelo governo, dando as condições necessárias para a turma se adequar.

 

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Há exemplos claros para isso no mundo todo. Um exemplo fácil de ser seguido é o que o governo português fez com os produtores de queijo na Serra da Estrela. Eu mesmo vi de perto. E mais do que isso, senti o orgulho dos produtores – gente simples e trabalhadora, como temos por aqui, ao mostrar não só produto como o meio de produção.


No final das contas, o único Queijo Serra da Estrela está espalhado pelo país todo, sem polêmica, sem chateação. Com queijeiras e queijeiros felizes, com a sua dignidade fortalecida, fazendo parte de maneira formal da rede produtiva do país.


O que vemos aqui, mais uma vez, são desajustes políticos (e, claro, econômicos), uma vez que sabemos exatamente como fazer. O Fernando Oliveira, da Queijaria, em São Paulo, responsável pelo bum do queijo artesanal nas grandes capitais, por exemplo, faz isso ao garimpar produtores pelo país inteiro e orientá-los na transformação de um queijo comum, vendido a preço de banana, em produto de excelência, com grande personalidade.


Funciona assim: o Fernando vai descobrindo os produtores, a maioria na base do boca a boca. Bate na porteira de cada um e mostra para quem o recebe (muitos ficam ressabiados, tocam ele das propriedades) que o queijo simples, quase cru, que fazem é vendido por um preço baixo demais. E que, sim, eles são explorados pelos intermediários. Então mostra como um queijo maturado pode valer quatro, cinco vezes mais em mercados muito mais justos.


Como maturar? Basicamente deixando o queijo viver, no que ele chama de teoria do zoológico. Quando você deixa o queijo cru no ambiente no qual ele foi feito, há uma competição entre fungos, bactérias e leveduras, para ver quem vai comer mais por ali. Então, a mágica acontece.


A ideia é olhar a singularidade de cada produtor. E deixar que ele faça as perguntas sobre quais são os meios para desenvolver o próprio caminho. O processo vai acontecendo naturalmente, embora doloroso para quem está acostumado a lidar apenas com aquele queijo amarelinho, embalado à vácuo. Sabemos, o queijo vivo tem um aspecto (e um cheiro!) muito diferente.


O resultado, enfim, é o que faz com que, desde o momento em que ele colocou o queijo Canastra na boca do povo, já tenhamos passado por três ciclos do queijo vivo no Brasil.


Então, todos saem ganhando: o produtor que recebe muito mais pelo seu produto, o consumidor que passa a ter queijos incríveis feitos por aqui e o cenário queijeiro que ganha qualidade, variedade e visibilidade.


Assim com a França, que olhamos com tanta admiração, o Brasil também é um país agrícola que precisa parar de tratar comida como commodities e olhar de forma justa e inclusiva para toda a cadeia produtiva.