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Mário Portela e a comida de cachoeira

Ele é uma das nossas referências na cozinha de brasa

Robert Halfoun
Curador


Mário Portela é o que chamamos de figuraça. Gente boa que só, virou figurinha carimbada não só nos eventos da moda que fazem churrasco ao vivo, mas também em todo o segmento da gastronomia. E não só pela imagem marcada pelas camisas floridas e o chapéu coco que não sai da cabeça dele. 

 

 

Mário é admirado pela charcutaria que faz, pelas carnes que assa, pelos pratos mineiros que ele faz, sempre na brasa. E, às vezes, em lugares pouco usuais como diante de cachoeiras. “Eu adoro trilhas, essas coisas. Melhor se levar comida, né?”, diverte-se. 

 

Há coisas incríveis como o “caldoso roiz de boi”, que pode ser feito com costela, rabo, peito, o que tiver na mão. Ou com moela, com linguiça. Mario faz ainda empanadas, bolinhos, ensopados, num estilão rústico-chique saboroso absolutamente encantador. E apetitoso.

 

 

A primeira vez que conversei com o Mário, eu dirigia a revista Gula e ele foi me procurar. Sabia que o trabalho dele, ainda desconhecido, tinha qualidade. Acabamos fazendo juntos uma reportagem de seis páginas, com dicas para fazer charcutaria artesanal em casa. E também sanduíches fantásticos.


Foi vendo a mãe cozinhar, não por opção mas por necessidade, para a família toda, que ele pegou o gosto pela coisa. Na faculdade de gastronomia, a curiosidade o levou a charcutaria. “Não havia material a respeito e as respostas que encontrava falavam de preceitos básicos. E só.”

 

 

A partir desse básico que fala sobre carne, sal e tempo, comprou um pernil, salgou e colocou na geladeira por 11 meses. O resultado foi uma desgraça. Então mergulhou na engenharia de alimentos para encontrar as informações que precisa. Ao fim do curso, fez pós-graduação em Ciência da Carne, onde, diz, aprendeu o que não fazer. “O currículo é focado na indústria. Isto é, mais volume, menos qualidade.” 

 

 

Até que um dia foi convidado para dar uma palestra num evento promovido pelo caderno Paladar, do jornal Estado de S.Paulo. A apresentação caiu entre uma do Alex Atala e outra do Jefferson Rueda. Ainda tímido, do tipo que fazia os trabalhos da faculdade e entregava para os colegas apresentarem, quase teve um troço. Hoje ele ri do episódio. “Esqueci tudo o que tinha planejado para falar.” Ainda assim, chamou atenção e dali decolou.

  


Agora é referência chamado, por exemplo, para resolver problemas de produção, como os de uma fazenda no Mato Grosso que tinha um ótimo boi e uma carne sofrível. “Chegando lá, a questão foi resolvida rapidinho. Eles abatiam errado.” Então, diante de um bicho inteiro a sua disposição, resolveu fazer um tal de fogo de chão, do qual havia lido muito a respeito. Como o presunto, feito de forma quase autodidata, não ficou bom. E tome pesquisar, viajar e conversar para aprender.

 


Recentemente, foi o representante do Brasil no maior festival de Churrasco do mundo, na Irlanda. E, quer saber? Se destacou por lá também. Isso porque o mundo está de olho no que assamos por aqui. “Os americanos são os mestres do barbecue. Os ingleses têm o jeito deles de fazer. Nós misturamos tudo, incluímos o que aprendemos nos pampas e ainda improvisamos um pouco. Dá certo e os gringos ficam loucos.”

 

 

Foi numa dessas loucuras, que o Mário resolveu criar uma estrutura para assar um boi inteiro, coisa que agora tem mais gente fazendo por aí. 


O churrasqueiro costuma usar uns Nelores enormes e anda quebrando as pernas de quem torce os nariz para a raça nacional. “O nosso Nelore era ruim porque a gente não estava preocupado com carne boa. Hoje é diferente. Como queremos qualidade, já tem gente no interior de São Paulo produzindo Nelore com marmoreio.”

 

É fato. O que ele quer, no fundo, é que o consumidor tenha a compreensão do que está por trás de um bife. Há nutricionista, veterinário, engenheiro de alimentos, agrônomo. “Vale a pena pensar no ciclo todo, antes de consumir. Feito isso, não tem erro. E vamos melhorar a produção de quem ainda não trabalha direito.”

 

 

A conscientização que o Mário propõe passa também pela ideia de que o boi deve ser usado por inteiro. “Abatemos muitos animais e só usamos uma parte deles, menos de 20%. Esse processo não faz o menor sentido. O boi vai muito além da picanha. Sem falar nos ossos, que são base para grandes caldos e molhos da gastronomia.”